Uniões Prematuras em Chiúre: Denunciante sofre Intimidação e Ameaça de Morte

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Marlene Armando Saneana tem 27 anos de idade e é natural de Mocimboa da Praia. Deslocada, começou a trabalhar em Chiúre como activista no dia 01 de Março de 2021, no âmbito da Iniciativa de Resposta Humanitária, Fortalecimento e Resiliência, implementada pela FDC com o apoio do UNFPA, em Cabo Delgado. Ela identificou dois casos de uniões prematuras no bairro Esperança, Localidade de Marupa, Distrito de Chiúre. Duas raparigas, deslocadas de Muidumbe, de 14 e 15 anos de idade uniram-se prematuramente com rapazes de 16 e 19 anos de idade, respectivamente.

Marlene, à luz da Lei de Uniões Prematuras (LUP), fez a denúncia no Comando Distrital de Chiúre no dia 14 de Maio, tendo antes informado ao líder comunitário de Marrupa. No mesmo dia 14, a polícia fez chegar a notificação aos visados. E um dia após a denúncia, Marlene é surpreendida, às 04 da manhã, com mais de 40 pessoas cercando a sua casa, intimidando-a e ameaçando-a de morte pelo facto de tê-los denunciado. ‘’Foste tu quem pagou o lobolo?’’, gritavam os familiares, segundo conta Marlene.

No vídeo (https://bit.ly/2TMdsgs), Marlene conta que o líder comunitário foi quem a expôs junto das famílias que promoveram tais uniões prematuras, quebrando o protocolo de protecção de denunciantes em virtude da protecção dum crime público que agrava o contexto em que vive a maior parte das raparigas moçambicanas.

A activista Marlene, que domina a Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras, fez notar que com este instrumento legal, só é permitida a união entre duas pessoas a quem tiver completado dezoito anos à data da união.

Ainda sobre mesmo instrumento legal, no seu artigo 8, ‘’nenhuma autoridade seja administrativa, tradicional, local ou religiosa, deve legitimar, por qualquer forma e no âmbito das suas funções, a constituição de união com propósito imediato ou futuro de constituir família, na qual uma ou ambas as pessoas sejam crianças’’ – o que sugere que o líder comunitário da localidade de Marrupa, para além de estar proibido de revelar a denunciante, não deve legitimar qualquer união de crianças, embora que em Moçambique não só é reconhecido o casamento civil, mas também o tradicional e religioso e que estas autoridades são também, por vezes, chamadas a oficiar outro tipo de relações informais, que não sejam necessariamente casamento.

Numa situação de plena operacionalização da Lei, o líder comunitário bem como os familiares dos menores já estariam implicados porque a Lei criminaliza todas as pessoas que auxiliem e contribuam para que a união prematura tenha lugar e desde que essas pessoas tenham pleno conhecimento de que a união envolve criança. Assim, os eventuais padrinhos da união, os familiares que recebem dinheiro ou bens trazidos a título da união (por exemplo lobolo) ou pessoas que tenham prestado serviços, a troco de dinheiro, para que a união prematura se consumasse (como por exemplo organizadores de eventos), poderão também ser responsabilizados, desde que, mesmo sabendo que a união envolve criança, tenham aceitado dela participar ou tirar proveito.

‘’Aquele que colaborar para que a união com criança tenha lugar, ou que por qualquer outra forma concorra para que produzam os seus efeitos, desde que tenha conhecimento de que a união envolve criança, será punido com pena de prisão e multa até um ano’’ – artigo 31 sobre (auxílio a união com criança).

A Marlene, ao denunciar os dois casos de uniões prematuras em Chiúre, cumpriu (1) com o seu dever como activista e cidadã (2) colocou em prática sobretudo o artigo 43 da LUP sobre o carácter público das infracções, que sugere que todos os crimes previstos na LUP são públicos, o que significa que qualquer pessoa, e não apenas as vítimas ou outras pessoas afectadas, podem apresentar a queixa à Polícia. Assim sendo, qualquer pessoa, seja familiar, vizinho ou amigo que souber que uma criança casou, uniu-se ou noivou ou vai casar, unir-se ou noivar pode fazer a denúncia às autoridades competentes, para que se prossiga com o devido processo criminal contra os adultos responsáveis por essa união, seja o adulto com o qual a criança se encontra unida ou os pais ou outros representantes legais da criança que entregaram, autorizaram ou coagiram a criança para união ou que sabendo dessa união, nada fizeram para tirá-la dessa situação.

Apesar da denúncia da activista Marlene, os menores seguem vivendo maritalmente em Marrupa, com a protecção dos familiares, da comunidade e dos seus líderes. Esse é um dos exemplos que traz à tona o desafio que existe para operacionalização da Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras, mas também de intensificação das acções de sensibilização para mudança social e de comportamento.