Paz: Graça Machel defende criação de espaços comuns independentes dos partidos e tribos

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A PCA da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC), Graça Machel, defendeu esta segunda-feira, 18, o estabelecimento de espaços de interesse comum, independentes dos partidos políticos, tribos e confissões religiosas, com o propósito de promoverem o sentido de colectividade e pertença na comunidade.

Leia na íntegra, abaixo, a intervenção da activista social na 2ª Conferência Nacional de Alto Nível sobre a Paz, organizada Organização para Promoção da Paz e Desenvolvimento Humanitário (ORPHAD).

  • As mulheres representam 51,6% da população moçambicana e maior parte delas, perto de onze milhões, encontra-se nas zonas rurais;

 

  • Em cada 100 agregados familiares 29 são chefiados por mulheres, sendo que maior parte (77,8%) são camponesas;

 

  • Os agregados familiares chefiados pelos homens gastam em média 34,4% mais do que aqueles que são chefiados pelas mulheres;
  • 49,2% da população feminina com 15 anos ou mais não sabe ler nem escrever, quando em relação aos homens a cifra é de 25,9%;

 

  • A taxa média de analfabetismo é mais elevada nas zonas rurais (65.7%) do que urbanas (30.3%) e mais saliente nas mulheres (68%);

 

  • A escolarização entre raparigas é maior no ensino primário e menor no secundário;

 

  • A percentagem da população que não tem algum nível de escolaridade concluído é elevada entre as mulheres (55,6%) em comparação com os homens (48,3%);

 

  • Do universo das mulheres que alguma vez frequentou uma escola, apenas 23,6% passaram pelo ensino secundário e 2,2% pelo ensino superior. Nos homens as taxas são mais elevadas: 26,8% frequentaram o ensino secundário e 3% o ensino superior;

 

  • No nosso país, há 13 milhões e meio de pessoas integradas no sector informal, dos quais metade (perto de sete milhões) são mulheres;

 

  • A maior percentagem da população que tem pelo menos uma conta para transacções financeiras é dos homens (27,4%) do que das mulheres (19,3%);

 

  • Este quadro mostra-nos que a mulher não está no centro das questões fundamentais para a construção de uma paz sólida. Ela é a cara das altas taxas de analfabetismo, desistência escolar, exclusão económica e política, limitado acesso às novas tecnologias, evolução da ciência e do conhecimento, assim como dos diferentes mecanismos de financiamento.

 

  • A exclusão baseada no género ou a exclusão da mulher é, por isso, uma forma de violência, que deixa para trás o grupo populacional mais relevante do país, cujo papel na edificação da paz social é decisivo;

 

  • Sem integração das questões de género nas políticas de desenvolvimento e definição de metas de inclusão, Moçambique ainda não terá encontrado uma resposta completa para a estabilidade política e social definitiva;
  • Apesar da longa caminhada que Moçambique tem a fazer para igualdade do género, tem sido alcançadas conquistas importantes nas esferas da emancipação e respeito pelos direitos da mulher, destacando-se as seguintes:

 

  • Alcance da meta de paridade de género no Governo (50% – 50%);c

 

  • Representatividade feminina de deputados na Assembleia da República em 42.2%;

 

  • Dos 11 Secretários de Estado, seis (55%) são mulheres; 

 

  • Assembleia da República e Conselho Constitucional são dirigidos por mulheres, sucedendo o mesmo com a Procuradoria Geral da República, o Tribunal Administrativo, o Ministério do Interior e Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos; 

 

  • Dois dos três partidos com assento no Parlamento, a Renamo e o MDM, têm mulheres na posição de secretárias-gerais, o que ocorre pela primeira vez em quase três décadas de democratização;

 

  • Estas conquistas são o resultado do compromisso dos diferentes intervenientes, nomeadamente Governo, sociedade civil e sector privado, com a agenda de transformação social necessária para que a mulher possa ocupar um espaço de igualdade na vida política, social, económica e cultural do país.

 

  • As medidas de inclusão foram, sem dúvidas, benéficas, no que concerne à representação das mulheres nas instituições políticas legislativas e executivas, mas não são suficientes para gerarem mudanças em termos de construção e consolidação da paz, coesão social e desenvolvimento;

 

  • É nosso entendimento que a construção da paz passa também pelo estabelecimento de espaços de interesse comum, independentes dos partidos políticos, tribos e confissões religiosas, com o propósito de promoverem o sentido de colectividade e pertença na comunidade;

 

  • Esta perspectiva/tendência que propomos pode ser atingida através de cinco acções importantes, nomeadamente a criação de:

 

  • Espaços comuns,

 

  • Interesses comuns,

 

  • Identidade,

 

  • Solidariedade

 

  • Acção conjunta/comum;

 

  • A participação política das mulheres e dos homens conforme é materializada hoje separa as pessoas, através das linhas ideológicas dos partidos políticos. As questões partidárias fraccionam os grupos de mulheres no seio comunitário e os fragilizam na agenda da construção da paz social e reconciliação nacional;

 

  • Vou dar um exemplo. Como Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC), lançamos em 2018, em parceria com o IMD e a Accord, o Movimento Mulher e Paz, ao abrigo do qual realizamos uma pesquisa, no ano passado, sobre o diálogo, resolução de conflitos, construção da paz e reconciliação entre as mulheres. Uma das principais constatações foi:

 

  • Acentuada rivalidade e desconfiança política entre as mulheres que fazem parte de partidos políticos diferentes (mormente em momentos de pico eleitoral que se aproximam), o que reduziu o nível de alcance da abordagem colectiva importante para vincar os desafios da participação política da mulher;

 

  • O próprio conceito de partido político remete à criação de um grupo organizado, legalmente formado, orientado para ocupar o poder político, em detrimento dos adversários. Os partidos políticos disputam espaço e naturalmente separam as pessoas em função da agenda política. Logo, o espaço político não é um espaço de união;

 

  • É também assim com as confissões religiosas e os grupos étnicos, porquanto as particularidades individuais são vistas como fronteiras no relacionamento com o outro.

 

  • A nossa tese/proposta de contribuição é de não fazermos das diferenças um factor que nos define, mas apropriarmo-nos daquilo que é comum entre todos nós;

 

  • A participação no sentido de colectividade significa a criação de um espaço que não é partidário, religioso, étnico ou de qualquer outro elemento de divisão, no qual as pesssoas se aglutinam, definem objectivos comuns e se revêem nos seus resultados.

 

  • As mulheres têm uma forte capacidade de construir pontes, um dom natural para estabelecer entendimentos, promover a paz, reconciliação e coesão social. Elas devem ser o centro dos espaços de interesse comum, plataforma a partir da qual assumiriam o papel de agentes promotoras da paz e da coesão social;

 

  • Naturalmente que este movimento não se cria no abstracto. Por outro lado, os interesses comuns não são iguais, não são genéricos nas comunidades. Por exemplo, os anseios de um grupo de mulheres de Angónia, em Tete, são diferentes dos anseios de um grupo de mulheres de Inharrime, em Inhambane. Por estas razões, para a criação de um espaço de interesse comum, é necessário auscultar as mulheres e identificar a agenda colectiva, na qual o grupo se identifica e participa.

 

  • O Movimento Mulher e Paz, a que me referi há pouco, ainda que pequeno, tem nos servido de experiência em matéria de constituição dos espaços comuns nas comunidades. O Movimento envolve mulheres de todas as esferas sociais a nível nacional, englobando cerca de 163,000 mulheres activistas sociais e mais de vinte (20) organizações baseadas na comunidade, na sua diversidade unidas pela religião, cultura, cores políticas, academia, comércio, agricultura, dentre outra.

 

  • O Movimento Mulher e Paz permitiu criar as seguintes zonas de influência:

 

  • Institucionalização de espaços de diálogo e formação de mulheres activistas para a construção da paz e reconciliação nacional,

 

  • Estabelecimento de redes de mediadoras, partindo da família à comunidade e da província ao nível nacional, com apoio dos nossos parceiros;

 

  • Lançamento de iniciativas de empoderamento económico e social das mulheres, acções que tem estado a influenciar significativamente para a mudança de paradigma,

 

 

  • A agenda comum pode passar ainda pelas seguintes actividades:

 

  • Criação e ampliação dos meios de vida, por via de actividades de geração de renda e redes de poupança necessárias para assegurar as condições de vida, sustentabilidade e lucro;

 

  • Promoção do associativismo, através cooperativas de produção, comercialização e participação nas diversas cadeias de valor;

 

  • Acesso aos serviços de saúde condignos;

 

  • Acesso à informação;

 

  • Estas actividades, entre outras que podem ser consideradas, irão contribuir para preencher os vazios do diálogo, resolução de conflitos, desenvolvimento, construção da paz e reconciliação na comunidade. A satisfação destes interesses comuns irá em cadeia gerar outros benefícios, como por exemplo a criação de renda e alívio das tensões sociais nas comunidades;

 

  • Posto isto, é importante realçar que para a construção de uma paz verdadeira é necessário assegurar o bem-estar do povo. A satisfação das necessidades básicas, através da criação de condições para as pessoas viverem com dignidade, é fundamental para consolidar o sentimento de identidade, respeito mútuo, pátria e paz social. É muito mais do que a paz de não ter armas. É a paz social, a paz que não resulta da assinatura de papéis;

 

  • Os altos índices de violência são, em parte, o resultado da falta do bem-estar comum, que coloca as pessoas em situação de desespero. Várias vezes, a violência e ausência de paz reflectem-se em aspectos aparentemente pequenos, como a agressão física com vista ao roubo de telefones celulares ou mesmo o roubo de faróis de viaturas na via pública;

 

  • A paz tem de ser vista como um bem em que todos temos responsabilidades na sua construção. Isto faz-se com a consolidação do sentido de pertença e espaços comuns de solidariedade;

 

Obrigada à organização do evento pelo convite e a todos os presentes por terem permitido esta partilha de pensamento.