Mês da criança – uma longínqua busca pela vida plena

Partilhar este conteúdo

‘’Vamos pôr ponto final aos casamentos prematuros’’

Este é o lema deste ano anunciado pelo Governo para o dia 01 de Junho, Dia da Criança. Na verdade, o sentido do lema enquadra-se perfeitamente nos esforços empreendidos pela FDC ao longo dos seus 24 anos de existência e na luta contra a injustiça social e desigualdade de género, aspectos perpetuados pelos casamentos prematuros e violação contínua dos direitos da criança.

No mês da Criança, a FDC congratula-se pelos progressos alcançados na realização e observância dos direitos das crianças em Moçambique. Embora reconhecendo que, por exemplo, a desnutrição crónica, a contração de doenças infecciosas, a inexistência de casamentos prematuros e a desigualdade de género não acabará de um dia para o outro, a boa notícia é que, em muitos Países, as crianças têm conseguido ganhos positivos dia após dia. Estes ganhos, associados com a emergência vertiginosa de movimentos activos em advocacia e activismo pelos Direitos da Criança, vêm alicerçando esses ganhos para que o sentido de desenvolvimento sustentável e pleno da nossa nação se corporize nos próximos anos, com crianças, adolescentes e jovens livres de mortes maternas e infantis preveníveis e com potencial físico e intelectual pleno.

O facto de mais da metade da população moçambicana ser criança, adolescente e jovem é, por si, um ganho inquestionável para o país, mas com a persistência  dos mais amplos desafios como o casamento prematuro, desistência escolar, Malária, HIV/Sida e desnutrição crónica, este último que afecta o pleno desenvolvimento físico, cognitivo, mental e social da criança será quase que incogitável colher-se frutos desses dividendos demográficos rumo ao desenvolvimento sustentável a curto e médio prazo.

Apesar desses enormes desafios, alegra-nos saber que o número de países onde, por exemplo, as raparigas enfrentam graves desigualdades de gênero – definido como tendo menos de três raparigas na escola primária por cada dez petizes pela UNESCO – caiu de 33 países em 1999 para 17 em 2010.

Embora a comunidade internacional e organizações nacionais congratulem-se e comemorem esses ganhos, Moçambique precisa fazer muito mais para garantir vida plena as crianças. Hoje há petizes em partes certas desse país que, sem qualquer dignidade, anseiam e almejam ter um único prato de comida; vestuário e cadernos para ir à escola; acessibilidade, mobilidade e igualdade de oportunidades pela deficiência física; um teto para dormir e um grande número de petizes ainda aprisionados em uniões forçadas.

Apesar da crescente participação das crianças nos fóruns seguros de discussão sobre os seus direitos, como a Conferência Nacional e Provincial da Rapariga e Rapazes, círculos comunitários de diálogo, mídia, capacitações sobre fístula obstétrica e outras iniciativas lideradas pelo Governo, Sociedade Civil e apoiadas pelos diferentes organismos internacionais, os direitos da criança ainda não são respeitados e assegurados na sua plenitude.

Assistimos ainda casos de abusos e violência física ou sexual, muitas vezes repetidamente e perpetrados por parentes ou pessoas conhecidas pelas vítimas.

No meio a este mar de desafios, alguns estudos sobre a criança no país lançam luz para que, enquanto sociedade civil, continuemos a fortalecer as sinergias para soluções colaborativas.

Não obstante, a FDC reconhecer os esforços do Governo para melhorar as condições das crianças, adolescentes e jovens, principalmente na criação da Estratégia Nacional de Prevenção e Combate aos Casamentos Prematuros, muito ainda há por realizar. Por exemplo, a taxa de mortalidade infantil em Moçambique é uma das mais altas do mundo, que concorre para que muitos petizes morram ainda no útero todos os anos.

De todos os desafios que as crianças enfrentam, para algumas, não ter voz é mais intolerável. Heroínas anónimas e conhecidas lutam para ser livres e para fazer ouvir suas vozes, ainda que crianças, mas sofrem perseguições e sevicias de diferentes formas. Em muitos casos, apesar da sua determinação e firmeza, estas heroínas são dominadas pelos desafios do seu meio e em muitas situações silenciadas pela própria família.

Neste mês das crianças, celebremos os triunfos delas, mas também mantenhamos bem claro o que se apresenta como desafios com vista a reverter a realidade em que tantas crianças ainda vivem.

Num contexto em que mais da metade da população moçambicana vive abaixo da linha da pobreza, sendo o rosto desta pobreza predominante o das crianças e mulheres, urge arregaçar as mangas e colocar no topo das nossas prioridades o empoderamento das mulheres, como forma de permitir o alívio da própria criança, em todas as esferas de desenvolvimento humano. Uma mãe empoderada geralmente representa também um filho com condições seguras de desenvolvimento.  O empoderamento das mulheres, torna-se assim, um imperativo nacional, um desiderato incontornável na prossecução dos objectivos de desenvolvimento sustentável no contexto de Moçambique.

Um esforço concertado seria exigido pela sociedade civil para influenciar políticas a nível nacional nesta direcção, com a visão futura de desconstruir a injustiça social que leva a pobreza a ter rosto feminino e infantil em Moçambique, situação imposta historicamente em virtude da tendência continua de perpetuidade das desigualdades de oportunidades.

Precisamos de campeões pela defesa dos direitos da criança em todas as áreas: política, negócios, sociedade civil, nos lares e nas escolas. Todos nós vamos ganhar com esta inclusão.

Com incontáveis desafios na área social e económica, fomentado pelos altos índices de casamentos prematuros que limita os direitos das raparigas como o da educação e empoderamento financeiro, em virtude da baixa literacia e contração de doenças infecciosas, as mulheres jovens necessitam do apoio incondicional da sociedade na construção de novas narrativas para edificação de sociedades saudáveis.

Estas acções também requerem decisões arrojadas por quem de direito e que incluem acções concretas como a alocação de recursos nas áreas prioritárias e a desagregação do orçamento por género.

É neste quadro que a FDC coligada nas diferentes plataformas como CECAP, MEPT, FMO, apoiada pela extensa rede de activistas sociais ao nível rural e urbano, e reitera a validade e pertinência da sua missão de fortalecer as capacidades das comunidades para vencer a pobreza e promover a justiça social.

Para FDC, o mês da criança, que começa hoje, constitui mais uma oportunidade para refletirmos até que ponto estamos ou não a vencer em relação a defesa dos direitos da criança. Achamos inquestionável se valeu a pena a luta já iniciada, por isso impõe-se que sejam colocados na mira os novos desafios nacionais e globais de intensificação de sinergias entre organizações da sociedade civil e o Governo para concretização do ideal de protecção dos direitos da criança e a promoção da sua participação nas diferentes frentes que compõem as novas narrativas de desenvolvimento.